Nós éramos uns cinco amigos de uns 16 anos sem ter o que fazer numa noite de sábado. Fomos buscar uma pizza e, aguardando no balcão, bebemos as batidinhas-cortesia.. Lá pelas tantas eu vivia o primeiro pileque de uma vida. Agarrada à panturrilha de uma das amigas, eu confessava: era uma loser. E por quê? Não tinha tênis reebok, nem calça M.Officer; meu cabelo era encaracolado e não permitia topete (quem mora no Sul sabe o que significou poder ter cabelo liso com topete nos anos 80); meu irmão bacana não me deixava entrar na turma dele.
No meu aniversário daquele ano mesmo, o grupinho me presenteou com uma camiseta da Fiorucci. Ironia ou passaporte para entrar no seleto mundo dos “não-losers”, preferi acreditar que aquilo foi uma manobra carinhosa para dizer que me amavam sendo eu quem eu era mesmo. Jamais usei a camiseta dos anjinhos junto com a linda jaqueta jeans da Zoomp (comprada em liquidação) para não arriscar parece “grifada”, sabe como é? Nem que eu tentasse, aquele dourado mundo de roupa de marca e festas de 15 anos nas colunas sociais não era mesmo o meu. Eu era loser.
A gíria loser – que ao que tudo indica foi cunhada lá pelos anos 50 por Charlie Schultz, o criador das tirinhas de Charlie Brown – significa perdedor. É aquele infeliz digno de pena, sem prestígio, sem sorte… Pela lógica torta dos adolescentes ou de uma sociedade vazia que valoriza a imagem e esquece o que há por dentro, loser é o excluído, é o alvo das chacotas. “Because you’re a loser, Charlie Brown”, diz a gozadora Lucy ao amigo nas tirinhas. “Because you´re a loser, Juliette”, ecoava na minha mente há até pouco tempo.
Mas esse mesmo tempo passa. E a vida move as peças. Por vezes ela transforma losers em gente-bem sucedida ou coloca aqueles célebres bacanas do colégio em uma posição mais pé no chão. Certo? Não é bem assim. Recentemente fui ao encontro de 1000 anos de formatura da faculdade e constatei: as meninas mais bonitas e populares da turma estavam lá, ainda belas emanando uma espécie de aura de algodão doce que atraíam as ditas losers feito mosca no mel. Ser loser, então, seria uma questão de atitude, não é? É sobre onde você se coloca nesse palco. É sobre até onde você acha importante o que os outros acham importante.
A série americana de TV Glee exalta um grupo de coral de escola formado só por adolescentes losers. Pelos corredores do colégio McKinley, eles são alvo de piadas e não têm prestígio algum. O que se esperararia no final? Que eles conseguissem superar suas diferenças, crescessem, se transformam em celebridades e ganhassem prêmios, certo? Fail! Eles se ferram sempre. Mas se divertem e fazem o que gostam: sobem no palco, mudam de dimensão, cantam, dança e acumulam seus minutos de glória. Não, não são losers.
Recentemente, trabalhando com um grupo de estagiários na faixa dos 17 aos 25 constatei que, para eles, loser é o cara de mais de 30 que ainda não conquistou a vaga de diretor (sem considerar o que é preciso abdicar para manter essa vaga). Vamos esperar mais alguns anos e alguns tropeços. Para um namoradinho publicitário de 24 anos que mantive por um tempinho, loser era o publicitário que não ia exercer a profissão em São Paulo. Tirando meus amigos publicitários paulistanos ganhadores de prêmios em Cannes, lembrei daquele cara que se mantém na paulicéia trabalhando numa agência por alguns trocados e não tem tempo de viver tudo o que vida oferece por lá (além do congestionamento e do metrô lotado).
Para minha cunhada, loser é o cara que veio me buscar em casa outro dia num Santana. Ele veio se despedir, tinha vendido tudo (inclusive o carro do ano) e foi passar anos ensinando Português aos professores de um país lusófono que está prestes a ser reconstruído. Para uma amiga recém-separada, loser é o ex-marido fiel que, apesar ocupar um alto cargo numa multinacional de dia e dar aulas à noite, caiu no “absurdo” de pedir dinheiro emprestado aos pais para terminar de colocar de pé a maravilhosa casa que eles construíram para a bela família em um magnífico e seguro condomínio de luxo. Prefiro acreditar no mundo do meu jeito, onde os losers são aqueles estagiários, o namoradinho, a cunhada e a amiga recém-separada, que, em comum, têm os valores distorcidos.
Acho que um planozinho para não passar a velhice sem amparo financeiro já é o suficiente para nos afastar da neura de estar na categoria loser. O resto é resto.
Se você faz o que gosta, dá significado ao seu trabalho, se tem amigas (excluindo as falsas) que a amam como você é, e se tem algum resquício de cidadania aí dentro…aí você está longe de ser um loser.
Mas a neura é vasta e atuante. Todos os dias você vai esbarrar em quem faça você acreditar que sua porção loser existe. Tudo o que você não tem e não é será jogado na sua cara, não importa se serão reeboks, calças M.Officer, sapatos Loubotin, camisas Dudalina, carro do ano, iate, casa na praia, cargos de diretor, iphones, ipads, itudos… Se a pessoa que você encara no espelho todas as manhãs estiver ok com isso e rir das “exigências” dessa sociedade doentia e materialista, então você está indo na direção certa. You´re on the right track, baby!